sábado, 4 de janeiro de 2014

"O cinema é uma experiência sensorial", conversa com Carito Cavalcanti

Cinema, do grego Kinema, que significa "movimento", uma técnica que reproduz imagens em movimento. Uma linguagem usada para fins vários, do lazer a doutrinação, um método eficaz para difundir ideias com forte poder de comunicação. Uma história marcada pelo aprimoramento tecnológico e consequentemente pela sensibilidade e contexto do fazer cinematográfico de cada realizador.  
Para começarmos bem o ano falando sobre cinema, mandei um e-mail para Carito Cavalcanti com algumas perguntas e eis as repostas:

Em Portugal acompanhando o grupo de teatro Clwons de Shakespeare
Foto: Ronaldo Costa



1-Como você pensa o cinema?

Carito: Eu penso o cinema sonhando. Cinema antes de tudo como imagem em movimento. Mesmo quando aparentemente parada, se movimentando na respiração do silêncio, entendendo também a dinâmica do aparentemente estático. Gosto do chamado cinema de arte, cinema de autor, viajo em cineastas como Antonioni que diz que um filme não precisa ser entendido, um filme é para ser sentido: "o cinema é uma experiência sensorial". 

2- Quando e como se deu a sua relação com essa linguagem, tanto no âmbito da contemplação, como no fazer?

Carito: Acredito que desde pequeno. Lembro que eu e meu irmão Mario Ivo, ainda crianças, tivemos uma experiência cinematográfica no nosso quarto, quando a partir de uma idéia da revista "Recreio" (que nossa mãe comprava pra nós), montamos uma caixa mágica: fizemos a tirinha de papel com as imagens, a película, que era toda enrolada num lápis, e ao ir enrolando-a no outro lápis as imagens iam aparecendo na caixa mágica de papel, frame by frame... Um ficava fazendo isso, e o outro, distante, com o quarto escuro, jogava um feixe de luz a partir de uma lanterna, para parecer que as imagens estavam vindo de um projetor, como no cinema. O som da radiola da minha irmã fazia a trilha sonora. Ainda lembro a música: "Why can't we live together", de Timmy Thomas, 1973 (http://www.youtube.com/watch?v=Tz1yjKMIfD0&feature=youtu.be). Quando éramos adolescentes, nossa mãe comprou um video-cassete, acho que foi um dos primeiros de Natal... rsrs... E aí a magia se intensificou... Como sempre me interessei por muitas linguagens, acho que naturalmente o cinema ia ganhar um lugar especial, não só por ser mais uma fantástica linguagem, mas por reunir várias numa só. Sempre fui cinéfilo, e em termos de realização comecei fazendo video-poesia, mas ainda usando fotografia, no início dos anos 90, junto com Alexandre Brito Miúda. Nessa época também fiz umas experiências de poesia audiovisual em slides, com Henrique José. Acho que comecei com o cinema desconstruído. Também nessa época lembro que fiz um curso de cinema com Giovanni Rodrigues, e realizei um curta junto com Mario Ivo, onde Marcos Bulhões era um dos atores. Em 2010 retomei as experiências audiovisuais, quando fiz o videoclipe para a poemúsica "Estirado no Estirâncio" d'Os Poetas Elétricos, junto com Julio Castro, que ganhou o prêmio nacional de melhor fotografia no II Fest Clip em Santa Gertrudes (São Paulo). A retomada se intensificou quando através do meu parceiro e amigo Vlamir Cruz, conheci a possibilidade de filmar em câmeras hdslr que me aproximou mais da linguagem do cinema. Foi quando comprei uma parafernália de equipamentos e comecei uma parceria com Joca Soares, que além de realizar filmes autorais comigo também me introduziu no meio do video publicitário. Agora também estou paquerando com Eli Santos e Fernando Suassuna, novos parceiros desse meio mágico, difícil, e muito dinâmico.


3- Quais referências são alicerces para seu pensar e fazer cinematográfico.

Carito: Minhas referências são as minhas reverências: esses cineastas maravilhosos e seus filmes voadores. E são muitos: clássicos, cults, contemporâneos... Assistir filmes é sempre uma escola, ou melhor, várias escolas! Gosto da narrativa não linear, gosto de tempos mortos, gosto da poética do espaço, da percepção subjetiva das coisas, da ambiguidade da fronteira entre o documentário e a fiçcão, das "não-histórias", da investigação da linguagem, do exercício de estilo, das metáforas... silêncios ensurdecedores... Enfim,  como já disse antes aqui: do cinema como uma experiência sensorial. 


4- Quais elementos mais chamam a sua atenção numa obra cinematográfica e por quê? 

Carito: Acho que acabei respondendo um pouco dessa pergunta na cena anterior, ou melhor, na pergunta anterior... rsrs...  Mas posso citar alguns exemplos específicos. No filme "A Aventura" de Antonioni, logo no título ele já coloca em xeque o significado imediato que essa palavra pode ter, colocando-a numa possibilidade existencial bem mais ampla. Veja o que diz Luiz Zanin Oricchio, do Estadão, quando analisa o filme: "A vida dissoluta dos ricaços é mostrada neste passeio a uma ilha vulcânica. Um misterioso acontecimento perturba o ambiente: Anna (Lea Massari) desaparece na ilha e ninguém consegue encontrá-la. O que poderia ser apenas um thriller, transforma-se, sob o toque de Antonioni, em um campo de batalha existencial, no qual os personagens se confrontam com suas ambigüidades, sua fragilidade, seu egoísmo, sua relação sempre insuficiente em relação ao outro." Em "O Eclipse" também de Antonioni, destaco o apartamento da vizinha africana da personagem de Monica Vitti, que desconcerta a personagem de Monica Vitti, com seus quadros etnográficos, com toda aquela vida africana dentro daquele apartamento italiano. Há então uma passagem inusitada no filme quando Monica Vitti simula uma dança africana, pintada e vestida a caráter, aparentemente sem muita coerência dentro da narrativa. Adoro quando o filme de repente me leva para outro lugar. Em "A Febre do Rato" de Cláudio Assis, há uma cena que um dos personagens diz ao poeta "gosto das coisas que não entendo". Quando vejo vários filmes num mesmo final de semana, e entre eles tem um blockbuster (mesmo que não seja um blockbosta) que vejo para me atualizar, e também tem um desses filmes considerados difíceis, o filme comercial entra fácil e sai fácil; já o filme, digamos, mais complexo, às vezes entra com mais dificuldade, mas fica. Sempre fica algum momento do filme ecoando durante toda a semana, e às vezes para toda a vida.


5- Sua obra audiovisual levanta uma questão sobre a categorização, como você pensa isso? 

Carito: Recentemente, no festival de Barra de Camaratuba, uma espectadora falou algo a respeito... No caso, sobre "Road Movie Num Quarto Fechado"... Acho que ela me perguntou se o filme era ficção ou doc ou videoclipe, pois ela não conseguia entender qual categoria ele se encaixava... Outra vez, no Goiamum, alguém veio me perguntar se "Operação Plástica com Flávio Freitas" era um documentário, pois não parecia... Durante uma exibição desse filme na UNP, um aluno do curso de cinema me disse que o filme introduzia no doc a linguagem do videoclipe... Não sei se isso é feito de forma consciente, o quanto isso é espontâneo ou provocado, mas gosto dessa ambiguidade e talvez eu naturalmente caminhe cada vez mais pra ela. Durante o curso "Cinema de um homem só" de Gustavo Spolidoro, nessa última edição do Sagi Cine, me identifiquei muito com o conceito de "filme-ensaio", onde o acaso guia o filme, e ele não se encaixa numa categoria específica.


6- Por está inserido nesse contexto como você analisa o setor audiovisual na cidade de Natal? #Políticas de incentivo específicas; #ação dos grupos, #ABDC-RN, #festivais, #parceiros e #público.

Carito: Tudo ainda engatinhando, se organizando, mas acho que num momento bem melhor - a ABDC-RN avançou, os festivais vão bem, as políticas públicas ainda vão mal, mais e melhores realizadores estão surgindo, o público é uma interrogação: por exemplo, na SEDA Helena lotou, a oficina que eu e Vlamir demos no Solar Bela Vista foi lotada todos os dias com excelente feed-back, mas às vezes acontece eventos super-legais e não vai ninguém. Uma das melhores oficinas que fiz, de roteiro, promovida pelo Seminário Cine Natal, tinha pouquíssima gente, praticamente só o pessoal aprovado no edital da prefeitura.


7- Qual sua opinião sobre a produção local no que diz respeito as obras audiovisuais? #qualidade, #conceito, #inovação, #profissionalização, #potência

Carito: É muito delicado eu falar sobre isso, visto que também sou realizador, e não sou crítico de cinema para julgar as obras dos colegas. Estamos amadurecendo. Acho que o grande desafio é alcançarmos um nível de qualidade associado à sustentabilidade.


8- É comum ouvirmos as pessoas dizerem: "Ah, mas não temos cinema no RN, agora que está começando a aparecer as movimentações, filmes, eventos, etc". Concordas com essa afirmação que vem sendo dita nas rodas de conversas? 

Carito: Realmente... como eu já disse antes aqui, estamos ainda engatinhando, mas faz tempo que começamos a engatinhar... Alguém já assistiu o Boi de Prata, de Augusto Ribeiro Junior? Ribeira Velha de Guerra, de Augusto Lula? Palarveando, video-clipe dirigido por Mario Ivo Cavalcanti? Mario Ivo já teve um video-minuto classificado em um festival na Itália, mas acho que pouca gente sabe. Se formos comparar nossa história audiovisual com a produção da Paraíba e Pernambuco, por exemplo... realmente é foda! Mas acho que precisamos nos auto-visibilizar mais... 


9-  Quais são as suas expectativas para a cena audiovisual na cidade de Natal daqui pra frente?

Carito: Espero que possamos nos unir mais, nos organizar mais, e fazermos um audiovisual de qualidade! Tudo vale a cena se a alma não é pequena. Que vivam as 5ds, Black Magics e também celulares e outros ares... Mais conceito, e menos preconceito! 


10- Cite 3 obras contemporâneas que mais gostou produzidas por realizadores potiguares.  

Carito: Fala Comigo, de Eli Santos; Abraço de Maré, de Victor Ciriaco; e Bolou, de Rodrigo Sena.



É isso. E quem quiser conhecer um pouco do trabalho audiovisual de Carito seguem três links:

Noturnos, de Carito Cavalcanti e Joca Soares: https://www.youtube.com/watch?v=O4w2tarz5oA

Operação Plástica com Flávio Freitas, de Carito Cavalcanti e Joca Soares: https://www.youtube.com/watch?v=vrGUjtGZFoo

Estirado no Estirâncio, de Carito Cavalcanti: http://www.youtube.com/watch?v=lDapjKN0qZg


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