terça-feira, 14 de janeiro de 2014

Sobre jornalismo cultural e outras práticas: Conversa com Yuno Silva

Jornalismo Cultural
Foto: Samuel Chicole
Yuno Silva é um cara potente. Um formador de opinião que tem voz em um meio muito forte, o jornal impresso Tribuna do Norte, onde assina artigos no Caderno Viver, o único caderno fixo de cultura em um jornal impresso aqui na cidade de Natal. É bem importante, diante disso, sabermos quem é essa pessoa, como ela pensa seu fazer e como o executa. Aproveitei também para trazer a superfície outras questões, pois por ele ser uma pessoa que gosta de polêmicas e está sempre participando de discussões acaloradas, então não consegui segurar perguntas sobre o Fora do Eixo, sobre a cena do jornalismo cultural na cidade e também sobre seus projetos e vida. 
Aproveitem a leitura. Essa sessão no blog tem o simples objetivo de nos aproximar cada vez mais de pessoas que fazem o cotidiano da cena cultural na cidade de Natwon.  

1) Você é um dos referenciais quando falamos em jornalismo cultural aqui na cidade de Natal. Como você pensa seu fazer profissional? Quais foram seus impulsos para focar nesta área do jornalismo?

Yuno: Primeiro penso na responsabilidade de atuar como repórter no único jornal impresso do RN que mantém um caderno regular de Cultura. É uma satisfação e um prazer saber que estou colaborando com o registro político-cultural-e-artístico de uma época e de alguma forma interferindo positivamente na sociedade. Por outro lado, o fato de termos pouco espaço - em termos gerais - para uma área tão vasta e complexa como a Cultura, traz certa (ou muita) pressão ao fazer jornalístico: o foco acaba concentrado e a cobrança é proporcional às expectativas. As críticas são sempre maiores que as sugestões ou elogios, e lidar com o universo de egos do mundo artístico requer boas doses de temperança e desprendimento. 
O jornalista de qualquer caderno cultural acaba correndo mais riscos que qualquer outro por, justamente, estar sujeito as constantes avaliações de leitores exigentes e personagens vaidosos. Mas é o risco que move, e damos as duas faces para baterem todos os dias. Quanto as referências, gostaria que houvessem mais, principalmente impressas; vemos muita coisa virtual e não diária, muita coisa reproduzida (copiada e colada) sem uma apuração mais sistemática e cuidadosa, o que acaba prejudicando a construção da credibilidade do conteúdo que está apenas na internet. Em Comunicação a concorrência é extremamente saudável. 
Outro ponto que merece ser destacado é o fato da produção estar concentrada em Natal, muita coisa interessante que certamente acontece em outras cidades acaba não chegando aos leitores e, consequentemente, causa o desconhecimento do natalense sobre o que acontece no interior do RN.
E falando sobre impulsos, já estava envolvido com o fazer cultural (seja criando, produzindo ou consumindo) antes do jornalismo, então costumo dizer que entrei pela porta dos fundos, pela porta da produção cultural.

2) Que elemento se torna de suma importância na profissão de um formador de opinião?

Yuno: São elementos comuns a qualquer área da Comunicação: primeiro deixar os preconceitos de lado sem abrir mão das próprias convicções; ter ética (apesar da palavra parecer estar fora de moda, é a ética que vai determinar a credibilidade de alguém); ser fiel aos fatos e reportá-los de forma responsável sabendo que aquilo que será publicado se tornará público. Importante também é saber separar o pessoal do profissional.
Um exemplo prático é a eterna discussão em torno do grafite x pichação: curto e aprecio grafite, uma arte tão importante quanto qualquer outra que tem a vantagem de estar exposta na rua ao alcance de todos. Já a pichação, tirando toda a carga antropológica que há por trás daquilo, não passa de rabiscos (muitas vezes incompreensíveis) para demarcar território - um troço antigo que poderia ser feito de uma maneira menos grotesca, afinal tecnologia e conhecimento não faltam. 
Esse debate sempre será polêmico e ninguém é obrigado a gostar ou desgostar de algo, basta exercitar o respeito, pois no final todos fazemos parte de um mesmo grupo. Vivemos em uma cidade pequena, onde as pessoas se conhecem nem que seja de vista, e fazer beicinho ou ficar de mal por causa de um comentário só comprova que ainda precisamos superar a egoesclerose para tirar proveito das críticas - que por mais implacáveis que sejam, sempre tem um lado construtivo.

3) Você é um jornalista que trabalha diariamente em um jornal importante da cidade, o Tribuna do Norte, um jornal impresso, com boa saída, leitores fiéis, etc. Existe algum receio que esse meio sofra algum tipo de naufrágio, como aconteceu ao Diário de Natal (o impresso) e como vem acontecendo com diversos outros devido ao boom da informação online?

Yuno: Sim claro, é um sentimento generalizado. Mas o impresso tem sua importância e torço para que se reinvente e continue circulando; apesar dos pesares, o impresso ainda carrega a maior carga de credibilidade junto a sociedade.

4) Qual é o seu processo de pensar um texto, escolher um assunto e lançá-lo na próxima edição do jornal? Existe nesse fazer um estudo mais aprofundado? Pergunto isso porque tenho lido muitas superficialidades, algo que chega a ser cômico, senão trágico, sobretudo no que chamamos aqui de jornalismo cultural, então gostaria de saber de você sobre seu processo de produção de um artigo para o jornal, como funciona?

Yuno: Como em qualquer área, o jornalismo diário requer planejamento. Tirando isso não há uma fórmula fechada: uma boa sugestão de pauta pode vir por e-mail, telefone, uma dica verbal. Por mais que não queira, o jornalista trabalha todo o tempo que está acordado, atento ao que acontece em volta, procurando um gancho em tudo para gerar uma pauta. Tudo isso vai para a discussão com a editora do caderno Cinthia Lopes e vemos qual ou quais os assuntos mais relevantes devem ser tratados.
Quanto ao aprofundamento, o fazer jornalismo diário não deixa muitas brechas para isso: a escala é industrial, não há muito tempo para pesquisar. Como a editoria de Cultura ainda é vista como menor dentro da estrutura de qualquer jornal, com pouco pessoal trabalhando, é natural que alguns assuntos mais dominados sejam melhor desenvolvidos: ninguém nunca vai ser especialista em tudo, e quando a mesma pessoa escreve sobre literatura, artes visuais, música erudita e cinema no mesmo expediente, é óbvio que será impossível produzir best seller com profundidade em série. Talvez isso provoque a superficialidade, afinal não vivemos mais na época que os jornais tinham pencas de colaboradores tarimbados em determinada área. 
E se formos ver não são apenas os jornais diários, tudo está superficial nesses tempos de instantaneidade: TV, rádio, revistas, redes sociais. Ao mesmo tempo, a produção acadêmica, que poderia colaborar com visões mais aprofundadas, ou não tem interesse ou não consegue se comunicar com o leitor médio. Então vivemos em uma encruzilhada, um momento de transição, uma época tragi-cômica.

5) Além do trabalho no jornal Tribuna do Norte você desenvolve outras atividades como a organização do Brechó do Parque, o ativismo no movimento SOS Ponta Negra, não sei se mais alguma coisa, porém quantidade não me interessa. Acredito que essas duas ações que citei tem um peso importante no cena da cidade. Sobre o brechó do parque, quais as previsões para a continuidade deste projeto em 2014? E como o projeto vem sendo desenvolvido em termos de financiamento, organização do espaço, mídia?

Yuno: O Brechó Cultural do Parque de Capim Macio nada mais é que uma desculpa para manter o movimento naquela área verde. O espaço todo seria desmatado para dar uma lugar a uma árida lagoa de captação de águas pluviais: nos agarramos nas árvores e evitamos a derrubada; e sugerimos aos "técnicos especialistas" alternativas mais criativas como aprofundar a outra metade da lagoa, calçar a rua com piso intertravado, incluir a área do parque na conta da absorção da chuva pelo solo. O básico! Envolvemos a comunidade em torno, Ministério Público Federal e Estadual, Advocacia Geral da União, Polícia Ambiental, imprensa (TV e jornal impresso)... aí veio Semopi e Semurb pelo lado da Prefeitura. Por fim, abriu-se um processo e hoje o Parque de Capim Macio existe formalmente no plano de drenagem do bairro, existe projeto de urbanização e verba garantida para isso. 
Penamos quatro anos, sem apoio nenhum da gestão municipal passada, mas sempre inventando alguma coisa pra não deixar de ocupar o parque com atividades - afinal a segurança daquela área não é resolvida com polícia e sim com ocupação: é fato que na medida que a população ocupa a área, espanta as mazelas que existem por lá. O projeto será continuado este ano, mas de forma irregular se continuarmos sem apoio público. Acredito que a nova gestão da Prefeitura está mais sensível e atenta às possibilidades e ao potencial da Parque, e vamos atrás deles. Vislumbro ações não só culturais (Funcarte), como também ambientais (Semurb/Urbana/Semsur/Arsban), sociais (Semtas), esportivas (Secopa/Sejel), acadêmicas (UFRN/UnP) naquele lugar, que pode servir como exemplo não só para outras zonas da cidade como para outros municípios/estados.

6) Sobre o Movimento SOS Ponta Negra, como é organizado, é uma ong, coletivo? As ações acontecem com que periodicidade e quais são essas? Qual o foco do movimento, a questão ambiental, social, preservação cultural?

Yuno: O SOS Ponta Negra nunca foi uma Ong, justamente para aglutinar qualquer associação, ong ou movimento em torno da luta pela manutenção da paisagem de Ponta Negra. Fiz questão de não burocratizar nem hierarquizar: qualquer pessoa pode se dizer membro do SOS Ponta Negra desde que seja coerente com a preservação sócio-ambiental-e-cultural do bairro. Então, como se trata de um movimento informal, não há sede ou atividades periódicas: somos acionados e entramos em ação sob nomenclaturas diferentes. 
Quanto ao foco, ele está concentrado na não construção de prédios de grande porte no entorno do Morro do Careca. A partir disso foram sendo desdobradas outras lutas, serviu de exemplo para o surgimento de novos movimentos que viram a possibilidade de interferir na sociedade com alguma organização. A cidade nunca mais foi a mesma depois daquele setembro de 2006, as pessoas estão cobrando mais e saindo da zona de conforto para defender algo que acreditam, garantir a qualidade de vida - vide o recente caso sobre as árvores da Mor Gouveia. Afinal queriam derrubar para quê? Para as raízes não prejudicarem o asfalto? Oras, que passem mais devagar e aproveitem a sombra. Esse papo de cortar uma árvore adulta em Lagoa Nova para replantar uma muda lá em Neópolis não cola: tem que preservar e arborizar cada vez mais, só questão de bom senso.
A mudança começa dentro de casa, depois no quarteirão, no bairro e assim vai... fiz muito mais amigos que inimigos durante o SOS Ponta Negra, e quando ouvia gente falando pra ir cuidar da minha vida, tinha certeza que estava fazendo isso.

7) Quando aconteceu todo o burburinho sobre o movimento Fora do Eixo em 2013, você foi uma das pessoas que esteve sempre presente de forma a emitir opiniões, criticar e inclusive ouvir o coletivo representativo da rede aqui em Natal. Como você poderia resumir a sua opinião sobre a rede Fora do Eixo e sobre tudo que você observou por longos anos em relação a esse movimento?

Yuno: Posso dizer sem medo de errar que fui um dos primeiros aqui de Natal a ter contato com a filosofia do Fora do Eixo, isso lá pra 2005/2006 quando a coisa ainda estava concentrada em Cuiabá. Acho a proposta incrível, viável, moderna, até revolucionária, massss a forma como a cúpula conduz a coisa não me atraiu: o poder revela a verdadeira índole das pessoas e não compactuei com o modus operandi do Fora do Eixo, que prioriza a produção, o produtor de evento. 
Sempre critiquei o fato do coletivo focar na produção de eventos, elaboração e realização de projetos, ou seja, não é um coletivo de artistas e sim de produtores (que sejam artistas que se autoproduzem).
O FdE começou com música, com os produtores de festivais de música para ser mais exato, e depois foi abraçando outros segmentos. O problema é que o conteúdo ficava/fica sempre em segundo plano justificado pelo papo de que "o cachê é simbólico por que montamos essa super estrutura e chamamos o público para você mostrar seu trabalho". Sem cachê não há estímulo para novos artistas/talentos seguirem carreira, buscar qualificação; por outro lado os produtores dos eventos acumulavam benefícios (se não financeiro, tem o político, o sócio-cultural), dominaram a cena, se tornaram autoritários e se autodenominaram os intocáveis com direito a massacrar qualquer um que ousasse criticar a forma de agir do Fora do Eixo. 
A máxima defendida por eles que "músico igual pedreiro" é uma tremenda falácia, serviu apenas para controlar os ânimos dos mais críticos: pra mim músico é músico, pedreiro é pedreiro, produtor é produtor, advogado é advogado, jornalista é jornalista; cada um tem seu papel na sociedade e deve procurar qualificação e formação para se destacar dentro de sua área. Hoje lemos relatos comentando a podridão que circulava por baixo do pano, gente tirando vantagem, abusando individualmente de um poder conquistado de forma coletiva.

8) O caderno Viver do Tribuna do Norte lançou um vídeo retrospectiva sobre a cena cultural de 2013 aqui na cidade. Quais fatos você, de fato, grifaria como importantes para a cena e quais outros pontos mereciam atenção e não foram contemplados na retrospectiva do Tribuna?

Assistam o vídeo: http://tribunadonorte.com.br/video/4268

Yuno: A memória curta do brasileiro é famosa, então vou citar algo que aconteceu no final do ano: o fato mais importante, pra mim, foi o desaparecimento (e a posterior devolução, felizmente) das cinco gravuras de Tarsila do Amaral da Pinacoteca do Estado. Resume e reflete como a Cultura é mal cuidada por quem deveria zelar pelo patrimônio, que é público. A performance de Khrystal no programa The Voice Brasil também foi bem importante, extremamente positivo para a autoestima do potiguar. 
Quanto as áreas que mereciam mais atenção, diria que a dança e as artes visuais, realmente ficaram de fora - a lista foi feita a partir do conteúdo gerado ao longo do ano, e elencamos os fatos mais significativos. Na compilação, esses dois segmentos foram suprimidos, mas nada proposital. Serve para atentarmos e fazermos melhor na próxima (uma prova que a autocrítica e a autoavaliação é permanente!). 

9) Quais suas referências culturais? O que você costuma ler, ouvir, assistir, praticar, contemplar?

Yuno: Nasci nos anos 70, então era adolescente nos 80. Meus dois primeiros LPs foram Thriller do Michael Jackson e Cabeça Dinossauro dos Titãs; assisti O Anjo Exterminador de Buñuel quando tinha de 16 para 17 anos, uma revolução. A música e o cinema sempre estiveram muito mais próximos. Em casa sempre tivemos um equipamento de som bem mais possante que a TV, sempre com muitos LPs (muitos mesmo!) à disposição: rock nacional, os clássicos do rock, MPB, erudito. Cheguei a assinar quase dez revistas ao mesmo tempo: de Playboy a Superinteressante. 
Atualmente tenho me esforçado para cuidar melhor da saúde do corpo, voltei a praticar natação com regularidade (sabe como é, o metabolismo vai caindo...). Continuo frequentando o cinema, garimpando na Sétima Arte, ouvindo de tudo. Leio menos do que deveria, a meta para 2014 é um livro por mês de todos os gêneros.

10) Quais outros nomes você indicaria como referências no jornalismo da cidade de Natal que tenham como pauta a cultura? Poderia compartilhar links ou apenas citar?

Yuno: Temos poucas opções:  a Revista 14 era uma boa opção mas anda meio paradona; o fanzine Lado R era outra boa opção, mas acabou. Estou curtindo o novo fanzine do Rodrigo Hammer "K", sobre cinema. Leio o Henrique Arruda, as coisas do Beto Leite (quando ele publica). Dou uma olhada no Substantivo Plural, mas acho uma gaiola de egos inflados demais que se torna enfadonho e pouco apetitoso. Algumas entrevistas da Dani Pacheco são bem legais. Também circulo por alguns blogs locais (que não recordo o nome), mas nada imperdível; vejo muita fofoca nesse meio e gente querendo aparecer/repercutir de qualquer jeito, até de maneira irresponsável. Detalhes que só enfraquecem o jornalismo cultural da província.


Para navegar na rede:

Site do Movimento SOS Ponta Negra:  http://www.sospontanegra.org/ 
Site do Projeto Amigos do Parque de Capim Macio:http://www.parquedecapimmacio.org/
Acompanhem Yuno Silva pelo Twitter: https://twitter.com/yunosilva


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